Martin Scorsese é um nome normalmente ligado a filmes violentos. Particularmente, eu o ligo bastante a oscarizáveis, devido a seus últimos trabalhos. Em A Invenção de Hugo Cabret, ele abandona a violência e explora pela primeira vez os filmes infantis, embora fazendo isso totalmente dentro da fórmula dos oscarizáveis.
Hugo Cabret é um órfão que vive em uma estação de trens em Paris e sobrevive de pequenos furtos. Um dia, um velhinho deveras cruel pega um caderno que era claramente muito importante para o moleque, e ameaça queimá-lo. O pobre Hugo fica desesperado para recuperar o caderno antes do discípulo de Satanás destruí-lo.
Isso é basicamente o que posso dizer sobre o filme sem estragar nada, uma vez que, por mais de 60 minutos, tudo gira em torno do caderno. Depois disso, no entanto, o caderno some totalmente da história, como se nada mais significasse para o menino, e a história segue por um caminho bastante diferente. Esse caminho claramente é o ponto no qual o filme queria chegar. O problema é que demora demais para chegar lá. Problema, aliás, recorrente na obra de Scorsese e que até já tinha apontado antes aqui no DELFOS.
Ao contrário do que parecia pelos trailers e pôsteres, A Invenção de Hugo Cabret não é uma obra fantasiosa, mas um drama com visual de fantasia. E sim, o visual é lindíssimo, apesar de abusar do contraste azul laranja. Quisera eu não ter estudado esse contraste em aulas de design da faculdade porque agora sempre que vejo um longa abusando desse artifício, acabo vendo-o como picareta. Afinal, é muito fácil fazer planos bonitos usando essas tonalidades. E aqui, assim como em O Último Mestre do Ar, o negócio força a amizade.
Tudo que é claro, como neve ou pele, tem tonalidades alaranjadas, e tudo que deveria ser escuro, como sombras ou roupas, são azuis. O personagem de Sacha Baron Cohen então, chega ao ponto de ter uma roupa azul com detalhes em laranja! Pô, Scorsese, você sabe ser mais criativo que isso!
De fato, ele sabe, pois não são apenas as cores que tornam Hugo um filme bonito. Tem alguns planos muito legais mesmo, inclusive os dois ou três plano-sequências musicais que abrem o longa.
Dá para perceber que A Invenção de Hugo Cabret parece ser um longa muito mais voltado a apaixonados pela sétima arte do que para crianças? Pois é! E esse é justamente o problema dele.
Sua história é chatinha e entediante, pois parece que nada acontece durante 90 minutos. A personagem de Chloë Grace Moretz constantemente exclama que eles estão vivendo uma aventura, mas parece que está querendo mais convencer o espectador disso, já que nem ela parece acreditar. E ainda tem duas cenas seguidas em que Hugo acorda de um pesadelo. Depois da segunda acordada, duas pessoas se levantaram e saíram da sala. Eu quase fiz a mesma coisa, mas ainda bem que não fugi, e vou explicar o porquê a seguir.
Parece certo dizer que, se você nunca ouviu falar de George Méliès, vai apenas ficar entediado como os dois jornalistas que fugiram. Agora se você já estudou cinema ou tem interesse suficiente nesta forma de arte para saber de quem se trata, aí, meu amigo, os últimos 30 minutos, que começam logo depois das cenas dos pesadelos, são para você.
É apenas aí que o filme realmente mostra a que veio e finalmente se torna belo e interessante. Esse final mostra todo o carinho que Martin Scorsese e sua equipe têm para com a sétima arte e não duvido nada que o cineasta tenha colocado todo seu coração nesse filme.
É tão lindo que parece que a ideia sempre foi fazer exatamente aquilo, mas não conseguiram expandir aqueles 30 minutos em uma história de 120 e precisaram encher linguiça por uma hora e meia. O maior problema de A Invenção de Hugo Cabret, portanto, é que ele não é um média metragem.
Temos aqui um filme infantil que é lento demais para as crianças e pouco interessante para os adultos, mas com 30 minutos finais que são, provavelmente, a maior declaração de amor à sétima arte feita por um cineasta do porte de Scorsese. Se você também é apaixonado pelo cinema, pode valer a pena aguentar os primeiros três quartos para ver o final. Só dê um jeito de acordar junto com Hugo para não dormir pela parte boa. =]
CURIOSIDADES:
– O escritor do livro A Invenção de Hugo Cabret, Brian Selznick, é primo de David O. Selznick, produtor de … E O Vento Levou. A vida fica tão fácil quando você nasce na família certa, não?
– Ben Kingsley ficou tão parecido com George Méliès que chega a ser assustador!
– George Méliès realmente teve uma lojinha na estação de trens de Paris antes de ser redescoberto por apaixonados por cinema.